Ceará
Último "Presidente" do Estado do Ceará durante a República Velha (1889-1930) - Dr. Matos Peixoto
Dr. José Carlos de Matos Peixoto - Foto do Arquivo Nirez
Em uma quarta-feira, 12 de março de 1884, nasceu em Iguatú (antiga Telha), no Ceará, José Carlos de Matos Peixoto, filho do advogado provisionado Miguel da Silva Peixoto e da professora (particular) Isabel de Matos Peixoto. Viveu a sua primeira infância na cidade vizinha de Icó, aprendendo a ler, contar e escrever, em casa, com sua mãe. Ainda ali, cursou o primário.
Transferiu-se para Fortaleza, iniciou e concluiu o curso secundário no afamado Ginásio Cearense, do professor Anacleto Queiroz, a quem acompanhou, como docente, em sua viagem a Manaus, quando aquele educador, a convite de Constantino Neri, presidente do Amazonas, foi fundar naquela capital o Instituto Amazonense.
Em 1904, voltou ao ceará, fixando-se em Fortaleza, onde durante alguns anos, ensinou no Instituto de Humanidades, do professor Joaquim Nogueira. Por essa época, matricula-se na Faculdade de Direito do Ceará, sob a direção do Dr. Antonio Pinto Nogueira Acioli, Bacharelando-se em 8 de dezembro de 1909.
Apesar de ser aluno muito esforçado, ainda encontrava tempo para trabalhar como censor de sua antiga escola, o Ginásio Cearense. Advogado recém-formado lecionou, a partir de 1911, Português no instituto de Humanidades; Latim e Português, no Colégio Nossa Senhora do Carmo. Em 1914, foi nomeado catedrático de direito civil da Faculdade de Direito Ceará.
Em 1924, estreou nas letras, publicando A reforma da Constituição Cearense.
Poliglota, exímio latinista, ganhou notoriedade jurídica como advogado civilista e constitucionalista. Dentre seus clientes, merecem menção a South American Company Limited, com sede em Londres e arrendatário da Estrada de Ferro de baturité, e The Ceará Tramway Light and Power, Company Limited.
Esta experiência lhe forneceu subsídio suficiente para, em 1926, publicar o seu segundo trabalho jurídico: A natureza do Contrato de Fornecimento de Energia Elétrica.
O Dr. José Carlos de Matos Peixoto foi eleito membro da Academia Cearense de Letras, ocupante da cadeira número 10, que tem como patrono o filósofo Raimundo de Farias Brito.
Convidado a compor a equipe de trabalho do sobralense Desembargador Presidente do Ceará José Moreira da Rocha, tomou posse da secretaria de interior e justiça em 12 de junho de 1924. Ao secretário José Carlos de Matos Peixoto o povo cearense deve, dentre outra ações:
a) A nova reforma da Constituição do Estado do Ceará, promulgada em 24 de setembro de 1925, na qual ficou consagrada, numa primazia do Ceará, a instituição do voto secreto no Brasil;
b) A execução da lei que determinava a escolha dos prefeitos municipais por meio do voto popular;
c) A instalação do Conselho Penitenciário;
d) A reforma na Organização Judiciária; e
e) A melhoria das Colônias Correcionais Agrícolas.
Em 15 de novembro de 1926, assumiu a Presidência da República, o fluminense ex-presidente do Estado de São Paulo (1920-1924), Washington Luis Pereira de Sousa, em viagem pelo país, visitou o Ceará, desentendendo-se com o presidente estadual, Matos Peixoto a propósito de sua intenção de adotar o modelo político de seu antecessor, Artur da Silva Bernardes (1922-1926), com tendência oligárquica, cerceando a liberdade de imprensa e a negativa de anistia aos revolucionários tenentistas exilados.
Acometido de grave enfermidade, o presidente desembargador José Moreira da Rocha transferiu a presidência do estado ao Presidente da Assembléia, Eduardo Henrique Girão, em 19 de maio de 1928. Ato continuo, todo o secretariado entregou o cargo. José Carlos de Matos Peixoto aproveitou, então, para dedicar-se à sua candidatura a presidência do estado.
Eleito Presidente do Ceará, pelo acordo de todos os partidos, o Dr. Matos Peixoto assumiu o cargo, juntamente com seu vice-presidente Demóstenes Alves de Carvalho, em 12 de julho de 1928, um mês e vinte e quatro dias depois de haver deixado a Secretaria de Interior e Justiça do Estado.
O Presidente Matos Peixoto iniciou a sua administração enfrentando as agruras de uma seca parcial que resultou na imigração de 4.128 cearenses pelo Porto de Fortaleza. Em 15 de novembro de 1928 promoveu as eleições municipais do seu estado, cercado das mais eficientes garantias, o direito do voto.
Atento a repressão ao banditismo, sancionou a lei nº 2.673, de 23 de julho de 1928, criando a Secretaria de Polícia e Segurança Pública, melhorando o nível da policia militar, através da cooperação de instrutores do exército, e transformando a guarda civil em guarda cívica, dando aos seus membros o mesmo aperfeiçoamento adotado na policia militar, fazendo-o, porém, com instrutores civis graduados em direito e em medicina.
Em 1929, o caos. Em consequência de uma crise internacional remanescente da I Guerra Mundial, a Bolsa de Nova York quebrou. Os capitais privados aplicados no Brasil, principalmente em indústrias têxteis e oleaginosas, voltaram a seus países de origem. O algodão, a mamona, a oiticica e a cera de carnaúba, sustentáculo da economia cearense, deixaram de ser vendidas no exterior. Imediatamente, o presidente Matos Peixoto encaminhou a Assembléia Legislativa projeto de lei que, votado e aprovado em regime de urgência, resultou na Lei nº 2.722, de 4 de outubro de 1929, criando a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas e instituindo um fundo especial que permitiu ao Governador concretizar diversas iniciativas úteis ao progresso do Ceará, tais como vários campos de cooperação de algodão e a fazenda de sementes no município de Quixadá.
O presidente Matos Peixoto não se descuidou da saúde pública dos cearenses, construiu e instalou o Abrigo Hospital Demóstenes de Carvalho, destinado ao atendimento aos menores carentes. Em convênio com os municípios, edificou e equipou vários postos de saúde. Em colaboração com Padre Cícero Romão Batista, dotou Juazeiro do Norte de uma enfermaria. Criou o serviço itinerante ferroviário contra a Bouba, em convênio com a Rede Viação Cearense, e o serviço de socorro aos banhistas. Reformou e ampliou o Leprosário Canafístula.
O ensino primário recebeu o incremento de cem novas escolas. E a assistência medica - escolar foi ampliada com o atendimento odontológico.
Em 22 de julho de 1929, faleceu o vice-presidente Demóstenes Alves de Carvalho, havendo sido substituído pelo professor Benedito Augusto Carvalho dos Santos.
Aproximava-se o termino do mandato de Washington Luis Pereira de Souza na Presidência da República. Como forma conciliatória, ele, que era fluminense, de Macaé, apontou para sucedê-lo o paulista Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, deputado estadual em 1909, federal em 1924 e presidente do Estado de São Paulo desde 1927, e como vice Vital Henrique Baptista Soares. Os seus opositores, o partido Libertador do Rio Grande do Sul, o partido Democrático de São Paulo, a Parahíba do Norte e tenentistas revolucionários, insatisfeitos com a oligarquia nos estados e a hegemonia dos chefes políticos paulistas e mineiros, reunidos no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, se coligaram, formando a aliança liberal e lançaram a candidatura do gaúcho Dr. Getulio Dornelles Vargas (presidente do Rio Grande do Sul e ex-ministro de Washington Luis), à presidência da república, e do parahibano Dr. João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque presidente da Parahíba), a vice-presidência. Esta decisão oposicionista foi tornada pública em memorável comício na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1929, quando Getúlio, depois de pedir o voto secreto e a direção das mesas eleitorais pela justiça togada, leu a sua plataforma: 1) anistia; 2) amparo irrestrito ao trabalhador; 3) esquecimento de ódio e prevenções.
Contrariamente a serenidade de Getúlio, a ala revolucionária de seu grupo se mostrava disposta a ir as ultimas consequências diante de uma eleição de resultados previamente conhecidos. Foi durante um desses embates acalorados entre parlamentares de facções contrarias que tombou sem vida o deputado Sousa Filho, da bancada pernambucana favorável a vitória do Dr. Júlio Prestes.
Um mês depois, chegou a Fortaleza a primeira caravana da aliança liberal, liderada pelo deputado Augusto de Lima, acolitado por Bruno Lobo, Agripino Nazaré, Alcides Carneiro e outros. Houve repressão policial. Doze dias mais tarde, uma nova comitiva liberal aportou em Fortaleza: Batista Luzardo, Paulo Duarte, Gustavo Capanema e Raul Bittencourt. Foi armado palanque não mais na Praça do Ferreira, como na vez anterior, mas no jardim residencial do professor Morais Correia, na Praça Fernandes Vieira, obstaculando a ação policial. No dia seguinte, os caravaneiros se dirigiram ao Cariri, onde demoraram até o dia 21, quando regressaram a Fortaleza, em direção ao Maranhão.
Em março de 1930, Júlio Prestes foi eleito Presidente da república.
A aliança liberal não se conformou com resultado eleitoral. Em silencio, foi tramada a revanche.
Em 26 de julho do mesmo ano, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, Presidente da Parahíba do Norte, foi assassinado em Recife, Pernambuco, pelo Dr. João Dantas, acentuando-se, ainda mais o repúdio ao governo central.
Após 6 meses de confabulações e planos de ação esquematizadas para todo o país, com previsão de supostas reações em cada estado, às 17:30 de uma sexta-feira, 3 de outubro de 1930, foi deflagrada a revolução, com assaltos as unidades militares por grupos armados, altamente treinados para este fim, liderados por homens de escol e determinados ao sacrifício da própria vida pela realização de seus ideais. Em alguns estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba do Norte e Pernambuco, houve embates demorados com a perda de oficiais superiores; em outros, como Paraná, Pará, Maranhão, Piauhí e Ceará, os governantes aderiam aos revoltosos ou abandonaram seus postos.
Em 8 de outubro de1930, o presidente Matos Peixoto abandonou a presidência do Ceará, refugiando-se no navio Itanagé. O povo aclamou seu substituto o Dr. Manuel do Nascimento Fernandes Távora.
Às 17:00 do dia 24 de outubro, o presidente Washington Luis, acompanhado do cardeal Dom Sebastião Leme, desceu as escadas do Palácio do Catete (sede do governo central), seguindo ambos de automóvel para o Forte de Copacabana.
No mesmo dia, uma junta governativa constituída pelo general Augusto Tasso Fragoso, general João de Deus Mena Barreto e almirante Isaias de Noronha, assumiu os destinos do Brasil, enquanto o Dr. Getúlio Vargas se deslocava para o Rio de Janeiro.
Em 3 de novembro, o Dr. Getulio Dornelles Vargas tomou posse como chefe do governo provisório: ?assumo, provisoriamente, o Governo da República como delegado da Revolução, em nome de Exército, da Marinha e do povo brasileiro?, disse.
No Distrito Federal, ex-presidente Matos Peixoto foi aprovado em concurso público para a cátedra de Direito Romano da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Concomitantemente, ensinava a mesma disciplina na escola de Direito de Niterói. A Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil deu a ele o titulo de ?Professor Emérito?.
Foi eleito Deputado Federal. Aproveitando o ramo tempo ocioso, escreveu: Posse e Direitos Pessoais e Recurso Extraordinários (1935), Corpus e Animus na Posse, em direito Romano (1938), Aval e outorga Uxória (1939), A técnica Jurídica de Teixeira de Freitas (1941), Curso de Direito Romano (1943), Progresso Legislativo Pátrio: Aula de Sapiência (1953) e Em defesa de Clovis Bevilacqua (1959).
Dr. Matos Peixoto veio a falecer em 25 de janeiro de 1976 no Rio de Janeiro.
Matéria ? Santana Júnior
BIBLIOGRAFIA
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GIRÃO, Raimundo, Pequena historia do ceará, Fortaleza: Imprensa Universitária, 1971.
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TÁVORA, Juarez (Marechal). Uma vida e muitas lutas: Memórias-1- de planície a borda do altiplano vol. I. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do exercito- editora e livraria José Olympio Editora, 1973.
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